quarta-feira, 27 de junho de 2012

E agora José?!



Boa noite!
É, estou meio sumida daqui, última semana de provas, últimas recuperações, as coisas tão meio hard por aqui... E agora, José? 
Mas enfim, estava agora há pouco no colégio em um debate sobre o filme "Ensaio sobre a Cegueira", baseado no livro de José Saramago, e bem no final sugiu uma observação sobre o poema de Drummond: "E agora José?"

Drummond mostrando seu lado psicólogo do povo


Para quem não conhece, é este poema:

 E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?
 
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?
 
E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?
 
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?
 
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !
 
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde ?


Então, o assunto do post ainda não é esse, mas pra encher linguiça encher-vos de cultura, a resposta de José Saramago para este poema:


Há versos célebres que se transmitem através das idades do homem, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de trânsito, bússolas – ou segredos. Este, que veio ao mundo muito depois de mim, pelas mãos de Carlos Drumonnd de Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses misteriosos acasos que fazem do que viveu já, do que vive e do que ainda não vive, um mesmo nó apertado e vertiginoso do tempo sem medida. Considero privilégio meu dispor deste verso, porque me chamo José e muitas vezes na vida me tenho interrogado: “E agora José?” Foram aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosso de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atônitas. “E agora José?” Grande, porém, é o poder da poesia para que aconteça, como juro que acontece, que esta pergunta simples aja como um tónico, um golpe de espora, e não seja, como poderia ser, tentação, o começo de interminável ladainha que é piedade por nós próprios.
Em todo caso, há situações de tal modo absurdas(ou que pareceriam vinte e quatro horas antes), que não se pode censurar a ninguém um instante de desconforto total, um segundo em que tudo dentro de nós pede socorro, ainda que saibamos que logo a seguir a mola pisada, violentada, se vai distender vibrante e verticalmente afirmar. Nesse momento veloz tocara-se o fundo do poço.
Mas outros Josés andam pelo mundo, não o esqueçamos nunca. A eles também sucedem casos, desencontros, acidentes, agressões, de que saem às vezes vencedores, às vezes vencidos. Alguns não têm nada nem  ninguém a seu favor, e esses são, afinal, os que tornam insignificantes e fúteis as nossas penas. A esses, que chegaram ao limite das forças, acuados a um canto pela matilha, sem coragem para o último ainda que mortal arranco, é que a pergunta de Carlos Drumonnd de Andrade deve ser feita, como um derradeiro apelo ao orgulho de ser homem. “E agora José?”
Precisamente um desses casos me mostra que já falei demasiado de mim. Um outro José está diante da mesa onde escrevo. Não tem rosto, é um vulto apenas, uma superfície que trem como uma dor contínua. Sei que se chama José Junior, mas mais riquezas de apelido e genealogias, e vive em São Jorge da Beira. È novo, embriaga-se, e tratam-no como se fosse uma espécie de bobo. Divertem-se à sua custa alguns adultos, e as crianças fazem-lhe assuadas, talvez o apedrejem de longe. E se isto não fizeram, empurraram-no com aquela súbita crueldade das crianças, ao mesmo tempo feroz e cobarde, e o José Junior, perdido de bêbado, caiu e partiu uma perna, ou talvez não, e foi para o hospital. Mísero corpo, alma pobre, orgulho ausente - “E agora José?”
Afasto para o lado meus próprios pesares e raivas diante deste quadro desolado de uma degradação, do gozo infinito que é para os homens esmagarem outros homens, afogá-los deliberadamente, avilta-los,fazer deles objecto de troça, de irrisão, de chacota-matando sem matar,sob a asa da lei ou perante sua indiferença.Tudo isto porque o pobre José Júnior é um José Júnior pobre.Tivesse ele bens avultados na terra ,conta forte no banco, automóvel a porta-e todos os vícios lhe seriam perdoados.Mas assim, pobre, fraco e bêbedo, que grande fortuna para São Jorge da Beira.Nem todas as terras de Portugal se podem gabar de dispor de um alvo humano para darem livre expansão a ferocidades ocultas.
Escrevo estas palavras a muitos quilômetros de distância, não sei quem é José Júnior, e teria dificuldade em encontrar no mapa São Jorge da Beira.Mas estes nomes apenas designam casos particulares de um fenômeno geral:o desprezo pelo próximo, quando não o ódio, tão constantes ali como aqui mesmo, em toda parte, uma espécie de loucura epidêmica que prefere as vítimas fáceis.Escrevo estas palavras num fim de tarde cor de madrugada com espumas no céu, tendo diante dos olhos uma nesga do Tejo, onde há barcos vagarosos que vão de margem a margem levando pessoas e recados.E tudo isto parece pacífico e harmonioso como os dois pombos que pousam na varanda e sussurram confidencialmente.Ah, esta vida preciosa que vai fugindo,tarde mansa que não será igual amanhã, que não serás, sobretudo o que agora és.
Entretanto,José Júnior está no hospital, ou saiu já e arrasta a perna coxa pelas ruas frias de São Jorge da Beira.Há uma taberna, o vinho ardente e exterminador, o esquecimento de tudo no fundo da garrafa,como um diamante, a embriaguez vitoriosa enquanto dura.A vida vai voltar ao princípio.Será possível que a vida volte ao princípio?Será possível que os homens matem José Júnior?Será possível?
Cheguei ao fim da crônica, fiz o meu dever.” E agora, José?”  
Crônica retirada do Livro do autor A Bagagem do Viajante.


Enfim chegamos ao assunto do post! \õ/ Se você leu até aqui,vc é muito pedante, mas enfim.

Como é um dos poemas mais famosos de Carlos Drummond de Andrade, é claro que atrás dele viria uma carga de paródias, e bem, selecionei algumas pra vocês! (:


E agora, José?
A festa acabou,
o bolo findou,
o pastel sumiu,
a cerva esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é um fominha,
que fila dos outros,
você que enche o prato,
que come à beça?
e agora, José?
Está sem cintura,
está sem seu pinto,
está com cem quilos,
já não quer mais beber,
pois só quer mastigar,
cuspir já nem gosta,
a baba esfriou,
o bife não veio,
o pudim não veio,
o figo não veio
não veio a coxinha
e frango acabou
e massa fugiu,
e queijo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce goiabada,
seu vidro de maionese,
sua gula sem jejum,
sua bela bisteca,
sua bala de coco,
sua bomboniére de vidro,
sua bala de menta,
seu drops – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
a despensa não tem porta;
quer comer sorvete,
mas o sorvete secou;
quer ir para Minas,
queijo não há mais.
José, e agora?
Se você mastigasse,
se você sorvesse,
se você provasse
a calda ainda quente,
se você engolisse,
se você vomitasse,
se você peidasse,
se você morresse…
Mas você só morre de fome,
você é guloso, José!
Sozinho no escuro
assaltando a geladeira,
sem gastroplastia,
sem ver seu umbigo
para poder coçar,
sem entregador de pizza
que chegue a galope,
você incha, José!
José, para de comer, pombas, ou não sobra nada pra mim!


E agora, mané?
A água acabou,
O gelo derreteu
o povo morreu,
a noite congelou,
e agora, mané ?
e agora, você ?
você que é sem honra,
que zomba da vida
você que desmata,
que caça e trafica,
e agora, mané?
 
Está sem sua presa,
está sem comprador,
está sem dinheiro,
já não pode matar,
já não pode cortar,
vender já não pode,
a noite congelou,
o dia não veio,
a noite não veio,
a vida não veio,
não veio a tua grana
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo morreu,
e agora, mané ?
 
E agora, mané ?
Sua podre palavra,
seu instante de viagem,
sua caça e carniça,
sua estátua de marfim,
seu diamante de sangue,
seu casaco de pele,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?
 
Com a arma na mão
quer matar a caça,
não existe caça;
quer pescar predatoriamente,
mas o mar secou;
quer ir pra Suíça,
Suíça não há mais.
mané, e agora ?
 
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você fumasse
a erva amazonense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
é o seu castigo, mané !
 
Sozinho no escuro
Num mundo acabado,
sem civilização,
sem sofá felpudo
para se deitar,
sem Jaguar preto
que possa dirigir,
você vaga, mané!
mané, pra onde ?


A festa acabou,
A campanha ocorreu,
o povo votou,
a eleição acabou,
Honduras cansou,
e agora, Brasil?
e agora, você?
você que é sem poder,
que usa o dos outros,
você que faz discursos,
que grita protesta,
e agora, Brasil?


Está sem apoio,
Só tem um discurso
Palavras ao vento
Já não pode sair
Ainda não pode desistir
Nunca pode vencer
Os sonhos esfriaram
A realidade chegou
A história partiu
A esperança sumiu
Não veio a utopia
E tudo acabou
O Obama fugiu
Os princípios mofaram
Numa embaixada fechada
E agora, Brasil?

E agora, Brasil?
Sua defesa da democracia,
Seu instante de loucura,
Sua ambição e sacrifício,
Sua tradição,
Sua cadeira na ONU,
Sua liderança na América Latina,
Sua voracidade – e agora?

Com as palavras na boca,
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer profetizar no mundo,
Mas o mundo já não quer profetas;
Quer ir para o mundo,
Mas o mundo te manda voltar.
Brasil, e agora?

Se você gritasse
Se te ouvissem
Se você que decidisse
Se você dominasse
Se você acordasse
Se você lutasse
Se você vencesse...
Mas você não vence,
Você é fraco, Brasil!

Sozinho em Honduras
Qual bicho-do-mato,
Sem o mito da fronteira,
Sem o destino manifesto
Sem armas para se afirmar
Sem navios e aviões
Que suportem a ação
Você marcha, Brasil!
Brasil, para onde?

E, pra finalizar, um vídeo do Mundo Canibal:




E finalizo o post com essa pergunta:


E AGORA JOSÉ?!

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